''Mas não tem nada não
tenho meu violão''

(Cotidiano nº2 - Toquinho & Vinicius)

17.9.02

"Não conheço seu nome ou paradeiro
Adivinho seu rastro e cheiro
Vou armado de dentes e coragem
Vou morder sua carne selvagem"

(Caçada - Chico Buarque)

Se há alguém que lê isto aqui, peço desculpas pelo longo tempo sem escrever nada. Ando meio esquisito e tenho uma preguiça danada de escrever. Mas hoje é segunda-feira, dia de folga, e não tenho desculpas. E vou contar como foi que começou o negócio com todo com Luiza.
Eu e um amigo resolvemos montar uma banda. Sim, banda de rock, minha vida não é só MPB, oras. Ele era (ainda é, acho) baterista e foi quem deu a idéia, dizendo que tinha uma amiga baixista. E quando, na semana seguinte, ele me apresentou Luiza, fiquei besta na hora. Linda que só ela, alta, aquele sorriso. E, vou te contar, que peitos!
Acho que ela também gostou de mim. Talvez tivéssemos começado nossa história por ali mesmo, se não fosse a infeliz idéia do meu amigo de contratar um guitarrista solo. Eu discordei, mas Luiza achou a idéia ótima (nada para ela era apenas bom, vim a saber mais tarde: tudo era "ótimo"). Guitarrista solo, coisa besta... Pra que eu ia querer um sujeito de calça justa e botinas apoiando o pé na caixa de retorno, virando o braço da guitarra pra lá e pra cá, entortando o pescoço e fazendo caretas horrendas? Isso não é música, é circo! Enfim, dois contra um, lá fram eles atrás de um guitarrista solo. E encontraram o Paulo, um cara magro demais, com olheiras que iam até o queixo.
Pronta a banda, mais ou menos definido o repertório, precisávamos ensaiar. Luiza, a mais sonhadora, propôs que alugássemos uma casa e fôssemos todos morar juntos. Acho que ela queria fazer alguma coisa no estilo dos Novos Baianos, mais que um grupo musical, uma comunidade. De uma forma ou de outra, o aluguel de uma casa com dois quartos dividido por quatro pessoas saía quase de graça, e nos mudamos todos para essa casa na Mooca, com um quintal razoável nos fundos e uma sala gigantesca, onde ensaiávamos. A casa seria perfeita, não fosse por um detalhe: tinha só dois quartos, e Luiza exigia ficar com um só para ela, porque era "a menina do grupo". Então ela dormia toda folgada no quarto menor enquanto eu, meu amigo e o Paulo nos ajeitávemos do jeito que dava no maior.
Tenho desde criança a mania de dormir sempre colado à parede. Não sei o porquê disso, talvez tivesse medo de cair da cama. Sei que foi a única exigência que fiz: Ficar com a cama do canto. Os outros deram de ombros. Fiquei feliz com essa pequena conquista, mas durou pouco o meu sossego.
Depois de uma semana morando juntos, eu e Luiza já havíamos desenvolvido uma afinidade muito grande. Eu me divertia muito com ela, e ela comigo. E, para minha maior alegria, ela compartilhava comigo da antipatia por Paulo, o guitarrista desnutrido. Tudo corria bem, até que uma noite Paulo se levantou de sua cama e saiu do quarto fazendo um claro esforço para não fazer barulho. Eu estava acordado e fiquei sem entender por um momento. Momento que durou pouco, porque logo comecei a ouvir os gemidos abafados de Luiza no quarto ao lado. Ouvia mais do que queria, na verdade, por causa dessa estúpida mania de dormir grudado à parede.
Foram séculos de gemidos, e poucos minutos depois que ela calou a boca (e sossegou a periquita), Paulo se esgueirou de volta para sua cama. Filho da puta! Aquilo começou a se repetir quase toda noite, para meu desespero. E o mais esquisito era que os dois mal se falavam durante o dia. Aparentemente, a antipatia de Luiza por ele continuava intocada. Mas os gemidos noturnos demonstravam outra coisa, uma simpatia exagerada até.
A tortura foi se prolongando até o dia em que Paulo resolveu sair da banda. Não estava se dando bem, nós não sabíamos reconhecer seu talento, ele queria vôos mais altos, etc. etc. etc... No mesmo dia ele arrumou suas coisas, pegou sua guitarra (uma guitarra cheia de frescuras) e foi embora. Para alegria minha, que poderia dormir em paz depois de tanto tempo.
Mas acontece que naquela noite eu não conseguia dormir. Ficava me revirando na cama, e meu amigo chegou a acender a luz para ver o que estava acontecendo. "Não é nada", garanti, e tentei parar quieto. Mas havia alguma coisa me incomodando, então me levantei e fui para o quarto de Luiza.
Ela também estava acordada. Claro, acostumada a trepar todo dia antes de dormir, devia estar em crise de abstinência. Estranhou minha visita àquela hora, mas não muito, porque instantes depois estávamos ambos nus, ofegantes, nossos corpos vibrando de desejo e...
E foi um desastre. Fiquei nervoso, acabou sendo tudo muito rápido, e mereci o olhar de complacência que ganhei em troca. Veio um silêncio meio constrangedor, mas aí aconteceu um negócio que eu acho que foi a causa de tudo o que veio depois: Começamos a rir, a rir de tudo, da situação, da minha entrada repentina no quarto, da minha absoluta incompetência. Depois disso ficamos conversando até o amanhecer, uma conversa cheia de ritmo e pausas nos lugares certos, parecendo uma coreografia de palavras. Antes de me levantar para voltar ao meu quarto, perguntei a ela o que vira em Paulo. "Ah, imaginei aqueles dedos ágeis e aí...". Foi demais para mim: Voltei para a cama, e dessa vez posso garantir que fiz tudo direitinho, o roteiro completo, e ainda com alguns brindes.
Guitarrista solo, bah!

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