''Mas não tem nada não
tenho meu violão''

(Cotidiano nº2 - Toquinho & Vinicius)

17.9.02

"Foi um rio que passou em minha vida
e meu coração se deixou levar"

(Foi um rio que passou em minha vida - Paulinho da Viola)

Pensei que nunca mais fosse voltar a escrever aqui. Minha vida tomou um rumo tão inesperado nos últimos meses que eu cheguei a acreditar que enfim sairia da monotonia. Ilusão, claro.
A mudança começou numa noite de sexta-feira. Um casal de amigos meus veio ao bar com um monte de gente. Esse casal é legal – ele gosta um pouco demais de João Gilberto, isso a gente perdoa -- , mas aquele povo era muito barulhento, então fiquei olhando feio. E vi aquela mão. Delicada, dedos finos, unhas não muito compridas pintadas com esmalte escuro. Segurava uma lata de Coca-Cola Light, de vez em quando circulava o indicador lentamente pela borda da lata, pegava uma gotinha e levava à boca. Comecei a imaginar aquela mão fazendo coisas bem interessantes, e acho que até errei uma ou duas passagens de acorde no Apesar de Você. Fiz um esforço para obrigar meus olhos a se desgrudarem da mão, eles foram subindo pelo braço, ombro, pescoço e rosto. Bonita, a dona da mão. Muito bonita. Inventei um intervalo, apesar de só ter tocado três músicas até então, e fui cumprimentar meus amigos. Eles me apresentaram um por um da mesa, deixando-a por último. Marina. Marininha.
-- Prazer em conhecê-la, Marina.
-- Prazer meu. Eles falam muito de você, sabe?
-- Ah, é? Falam bem, espero. Bom, deixa eu voltar pra lá.
Voltei ao palco e toquei “Marina”, do Dorival Caymmi olhando pra ela. Começamos a sair. Uma semana depois, fiquei sabendo que ela detestava “Marina”, porque todo mundo cantava pra ela. Rimos muito disso, um bom começo. E duas semanas depois pegamos nossas tralhas e nos mudamos para Camburi, litoral norte de São Paulo. É, foi tudo bem rápido.
Em Camburi eu finalmente achei que havia encontrado meu lugar no mundo. Morava com uma mulher linda, que gostava das mesmas coisas que eu, que ia tocar comigo nos bares e o sexo era ótimo. Perfeito. Fazíamos cover de Belle & Sebastian, eu no violão, ela com o pandeiro meia-lua. E soava bem, porque a voz dela era idêntica à da Isobel Campbell, e eu faço uma imitação passável do Stuart Murdoch. E assim fomos vivendo.
Até aquela segunda-feira em que cheguei tarde em casa e ela quebrou o violão tentando me acertar. Tinha enfiado na cabeça que eu a traía, e naquele dia a neurose foi demais para mim. Deixei um bilhete -- Talvez seja hora de você partir para uma carreira solo. Boa sorte. -- E voltei para São Paulo, para o meu velho apartamento, para o bar de sempre, para o bordel e minhas amigas putas

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