''Mas não tem nada não
tenho meu violão''

(Cotidiano nº2 - Toquinho & Vinicius)

26.12.02

"Danço eu, dança você
na dança da solidão"

(Dança da Solidão - Paulinho da Viola)

Noite de Natal em excelente companhia: Uma garrafa de champanhe francês, presente do Baiano. Bebo e tento não pensar que é Natal. Mas é inevitável, então deixo os pensamentos fluírem livremente. Penso com tristeza nos mortos, e com maior tristeza ainda nos vivos que foram embora por vontade própria, por força das circunstâncias ou expulsos por essa minha obssessão pelo isolamento.
Minha mãe ligou pouco depois da meia-noite para desejar um feliz Natal e me dar conselhos. Que eu deveria pensar mais na vida. Que eu bem que podia ter ido passar o Natal com a família. Que já passei dos trinta anos, não posso mais ter esse comportamento de adolescente sem rumo. E etcetera. O mesmo papo de todos os anos. Eu só dou respostas evasivas, ou então me calo. O que responderia? Que penso muito na vida, e que é isso que me afunda? Que passar o Natal com a família seria um inferno, com meu pai me olhando com o desprezo que tem por mim desde que decidi que viria para São Paulo viver de música ou de qualquer outra coisa, em vez de ser engenheiro como ele e toda a família? Que sem rumo estamos todos, adolescentes ou não, e os que têm a ilusão de que estão seguindo um caminho só pensam assim porque estão parados? Não, melhor não responder nada. "Eu sei, mãe". "Ano que vem, mãe". "Pois é, mãe". "Bença, mãe".
Desligo o telefone depois de alguns minutos. Tanto eu quanto ela ficamos constrangidos. Raramente nos falamos, e essas conversas obrigatórias em datas especiais acabam sempre sendo cheias de lacunas, de pausas longas demais, de hesitações. Eu não queria que fosse assim, acho que ela também não. Mas não escolhemos isso. Assim como não escolhemos quase nada em nossas vidas. Temos isso em comum. Ergo a taça num brinde meio irônico à minha progenitora. Ê, mãe, olha só o que você foi botar no mundo!
E é isso o meu Natal. Beber um pouco, assistir a alguma bobagem na TV, ligar pra dois ou três amigos para falar bobagens e fingir que nã estou sozinho. Mas estou. E todos estão. Podem se cercar de centenas de pessoas, e gritar, e dançar, e beber até cair: Estão tão sós quanto eu, ou mais ainda, por não admitirem sua solidão. Um brinde a eles, os homens, meus irmãos!
E um brinde a você, Luiza. Sem taça, bebo a você no gargalo. Um brinde a você, que fez minha vida sair rodopiando por aí e depois cortou a corda, e a pobrezinha saiu pela tangente e está até agora tentando se recuperar da pancada. Bebo a você, Luiza, e a tudo de bom, e ruim, e estranho, e amargo, e desconcertante que você representa para este pobre homem, sozinho na penumbra de seu apartamento alugado em plena noite de Natal.

* * *


Acabei dormindo no sofá, ainda com a garrafa na mão. O telefone me acordou horas depois.
– Alô?
– Ô, rapaz! Feliz Natal!
– Obrigado, Baiano. Pra você também.
– Ouche, como sabe que sou eu?
– Ninguém mais tem esse sotaque de novela, Baiano.
– Sotaque de novela tem a tua mãe! Tá fazendo o quê aí?
– Bebendo o champanhe que você me deu e lamentando minha vida.
– Vixe, rapaz! Largue de viadagem e bora sair por aí!
– Sair pra onde?
– Ah, sei lá! Pega o violão aí e vamos fazer serenata!
– Serenata, Baiano? Pra quem é que a gente vai fazer serenata na noite de Natal, rapaz?
– Ah, eu tava aqui pensando. Tem um asilo ali perto de casa. Acho que os velhinhos iam gostar de uma serenata. Você podia tocar alguma coisa de Orlando Silva e tal...
– Que raio de idéia é essa, Baiano?
– Bora lá! Cê não tá fazendo nada aí, vai acabar a noite bêbado e chorando, pensando naquela moça. Te conheço! Que que custa sair um pouco, se divertir, alegrar um pouco a vida de uns cabras que já tão mais pra lá do que pra cá?
– Mas... Mas e se os caras lá do asilo chamarem a polícia?
– É bem capaz que chamem mesmo. E daí? Perturbação da ordem não dá cadeia. O que você me diz? Vamos ou não?
– É, tá bom. Vamos.
Nunca pensei que teria um Natal assim algum dia: Meio que encarapitado num muro, tocando violão e fazendo a segunda voz, enquanto o Baiano soltava seu vozeirão de barítono bêbado. Aos poucos algumas janelas do asilo foram se abrindo, e no final, quando tocamos Rosa, um pequeno côro de pequenas vozes cansadas nos acompanhou: "Tu és/Divina, graciosa/Estátua majestosa/Do amor/Por Deus esculturada...". É claro que depois disso uma funcionária veio nos pedir muito educadamente que nos retirássemos. Nada mal para quem esperava a polícia. E tenho a impressão de ter ouvido uns aplausos tímidos no final.
O Baiano me deixou em casa pelas quatro da manhã. Perguntou se eu não queria um pouco de erva, um presentinho de Natal. Não aceitei. Estava sentindo coisas bonitas cá dentro de mim, e queria me manter lúcido para saborear o momento.

17.12.02

"Ninguém pode explicar a vida
num samba curto"

(Num Samba Curto - Paulinho da Viola)

Não é Luiza. Luiza já faz tempo. Luiza nem dói mais, se eu não cutucar. Fica latejando, mas nada de insuportável, longe disso.
Também não é o japonês que se matou. Ele tomou sua decisão, planejou o que queria e seu plano foi bem-sucedido. Não fico triste por ele. Sequer penso nele, e só me lembrei ao começar a escrever.
Sou eu. Sou eu e essas músicas. Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Capinam, Paulinho da Viola, Milton Nascimento, Djavan, Gonzaguinha, Cazuza. Todos homens tristes que escreveram ou ainda escrevem seus versos tristes. E eu canto esses versos todos os dias, por profissão. Não há como não se deixar influenciar, por mais que eu tente. Associo trechos de músicas a cada acontecimento, por banal que seja, e essa é minha principal loucura. Quero escapar disso e não consigo. Agora mesmo que pensei nisso, e comecei a perceber o quanto isso atrapalha minha vida, o trecho de "Num Samba Curto" surgiu espontaneamente na minha cabeça, antes mesmo do raciocínio. Insuportável ironia.
Preciso fugir disso. Preciso impedir a erosão da minha sanidade. Um emprego. Um emprego normal, de acordar cedo e ir para um escritório, e fazer uma hora de almoço, e voltar para casa no fim da tarde. Mas o que é que eu sei fazer? Meus detratores dirão que não sei fazer nem o que deveria saber, que é tocar violão e cantar; e eu serei o primeiro a concordar. No entanto, sou uma espécie de autista, um deficiente cuja única capacidade é essa, de cantar mal e tocar pior. Para todas as outras coisas, sou um completo inútil.
Então continuo. Contra minha vontade, continuo. Entre uma música e outra, um pouco de álcool para enganar a mente. Entre o bar e o puteiro, mais uma mulher genérica e descartável, mais um enorme desperdício de tempo. Ok, gostei muito de ter te conhecido, mas eu andei pensando, acho melhor a gente parar antes que blablablá. Sempre o mesmo papo, e uma vontade imensa de dizer a verdade, "Você é chata", ou "Você beija mal", ou "Sua bunda é estranha", ou "Você é perfeita, mas não é Luiza". "Andei pensando" é o caralho, antes de embarcar em mais uma roubada dessas eu já sei que não vai dar em nada, e só levo adiante para comprovar minha incompetência.
São as músicas. Malditas músicas. E esse medo.

13.10.02

"Vou fechar o meu pranto
vou querer me matar."

(Travessia - Milton Nascimento)

A história toda já foi contada à exaustão. A imprensa deita e rola com casos assim. Então vou contar apenas o que vi, o resto já é notório.
Estava tocando "Meu Bem Querer" quando ele entrou no bar. Mal vestido, olhos injetados, cabelo desgrenhado. Ficou em pé entre duas mesas, olhando fixamente para mim. Seu olhar incomodava, primeiro pela insistência, e depois por me recordar algo. Eu tinha certeza de que o conhecia, mas não conseguia me lembrar de onde. Porém seu nome e sua história se acenderam como neon na minha cabeça quando terminei a música e ele pediu com voz cava:
-- Toca "Travessia".
Era ele. Por absurdo que parecesse, aquele homem excessivamente magro, pele esverdeada, cabelos já meio grisalhos era o outrora sorridente japonês, antigo freqüentador do bar que um dia resolvera matar a namorada. Desde o dia em que vira seu nome estampado no jornal, pensava cada vez menos no acontecido. Se me falassem dele há dois dias, levaria algum tempo para encontrá-lo no arquivo desorganizado da minha memória.
Mas agora não tinha como não pensar nele, parado ali, fugitivo da polícia, trêmulo, pedindo a mesma música daquela outra ocasião, a última vez em que o vira. Sua presença era um desafio, uma provocação. Parecia dizer: "Você acha que sua vida é trágica? Pois olhe bem para mim, veja o que é tragédia de verdade".
Sei que mesmo errando quase todos os acordes, comecei a tocar "Travessia". Quando cheguei ao trecho final, "Vou fechar o meu pranto/ vou querer me matar", o japonês saiu do bar. Segundos depois ouviu-se o estampido e todos correram para fora. Fui também, embora relutante. E lá estava ele, caído de bruços enquanto seu sangue se espalhava pela calçada.
O resto, como já disse, é notório; não vou me perder em detalhes. A imprensa apressou-se em condenar o estudante Marcelo H. por seu duplo gesto de desespero. Eu não: Acho que tenho uma idéia de como ele se sentia. Éramos como que irmãos, unidos por uma mesma dor. A diferença é que ele foi coerente com sua dor até o fim, enquanto eu tento inultimente fugir da minha. Marcelo H. é um herói trágico. Eu? Eu sou apenas patético.

1.10.02

"Malandragem, dá um tempo,
deixa essa pá de sujeira ir embora,
que é por isso que eu vou apertar
mas não vou acender agora."

(Malandragem Dá Um Tempo - Adelzonilton, Popular P & Moacyr Bombeiro)

Sozinho outra vez, e sem nada mais interessante para fazer, resolvi falar com o Baiano.
O Baiano é um dos últimos representantes de uma profissão quase extinta: o recepcionista de banheiro. É aquele cara que escova seu paletó, estende uma toalha de papel, oferece balas de hortelã "Para refrescar o hálito e agradar as senhoritas", e mantém uma mini-tabacaria. Acho que não existem muitos desses funcionários hoje em dia fora dos puteiros. Além desses serviços básicos, eles também indicam aos velhos freqüentadores as melhores opções da casa: A japonesinha recém-chegada, a ruiva que dá desconto (ou dá com desconto, para fazer um trocadilho infeliz), a mulata que faz tudo e mais um pouco.
A todas essas atividades, o Baiano ainda agrega a tarefa de fornecedor de maconha para os músicos. E só maconha, ele faz questão de deixar bem claro. Tive ocasião de ver um velho baterista expulso da boate aos pescoções após esgotar a paciência do Baiano com insistentes pedidos de pó. "Quer cheirar, vai cheirar lá na puta que o pariu, aqui não!".
Quem quiser erva, no entanto, é muito bem-vindo. Ele tem a fama de fornecer um bagulho de qualidade a preço justo. Diz que vem diretamente da plantação de um primo de Monte Santo, no sertão da Bahia. Ninguém sabe se a história do primo agricultor é verdadeira, mas todos passam para frente como se fosse. O único pedido que o Baiano faz é que ninguém fume na casa. "Compra aqui comigo; vai fumar na sua casa, na rua, na Catedral da Sé, onde quiser. Menos aqui.".
Eu, como todo mundo, estava cansado de saber dos serviços prestados pelo Baiano. Nunca me utilizara deles, porém: Meus tempos de comprar maconha ficaram lá longe, num ponto entre a adolescência e o início da vida adulta. Mesmo então, o consumo resumia-se a eventuais e desajeitadas tragadas num baseado, servindo mais como diversão para os outros maconheiros com meus acessos de tosse do que para dar barato propriamente.
E lá estava eu, séculos depois do fim da adolescência, pensando em como abordar o Baiano. Tremia tanto que parecia que estava prestes a negociar com algum chefão do tráfico num morro carioca, e não com o velho conhecido da noite. Para meu alívio, o Baiano percebeu minha tensão. A essa altura, eu já tinha entrado no banheiro, mijado e lavado as mãos duas vezes. Com um sorriso meio de lado, veio falar comigo.
-- E aí, meu velho? Interessado em alguma coisinha para logo mais?
-- Coisinha? É. Coisinha.
-- Deu sorte. Chegou uma morena hoje aí que eu vou te contar...
-- Não. Não. Baiano. A outra coisinha.
-- Ah, entendi! Quanto você quer, rapaz? Pode dizer, você sabe que aqui é coisa boa.
-- Sei lá. Cinqüenta gramas.
-- Cinqüenta???
-- É muito?
-- Ah, isso aí depende do freguês. Olha, não tenho aqui. Pega comigo amanhã?
-- Tudo bem. Deixo pago aqui?
-- Claro que não, rapaz. Só paga com a mercadoria na mão, que eu não quero te prejudicar.
Combinamos o preço e na noite seguinte entreguei o dinheiro e peguei a "mercadoria". Na hora entendi a razão do espando do Baiano: Para quem quer só fumar um baseado, cinqüenta gramas é muita maconha.
-- E aí, meu chefe? Sabe dechavar? Sabe bolar?
-- Hum... Sei não, Baiano.
-- Não esquente. Tenho aqui esse aparelhinho com pregos, olha só. Você bota o bagulho aqui dentro, gira de um lado pra outro, e sai fininho, uma beleza. E tem esse outro aqui, com a manivela. É só botar o fumo, a seda, girar a manivela, e tá pronto seu cigarrinho. Vai levar?
Ele fez um preço camarada no kit com o dechavador, o bolador e a seda. Deixei tudo lá com ele, peguei na saída e levei para casa. Cinqüenta gramas, puxa, eu ia defumar aquele apartamento.
Não foi tão bom quanto eu pensei que seria. Para falar a verdade, foi bem ruim. Preparar não foi o problema; depois de apanhar um pouco do tal aparelhinho com a manivela, acabei produzindo um cigarro mais ou menos convincente. Só que maconha é uma droga social, é estranho tragar a fumaça e não ter pra quem passar o baseado. Então fiquei lá, fumando e pensando, o que não é uma boa combinação. O bagulho ainda estava no meio e eu já estava chorando. A depressão bateu de uma forma inédita. Queria abrir a janela e gritar, mandar o mundo tomar bem no meio do cu, mas não tinha ânimo para levantar. Fiquei jogado no pufe, fumando, pensando, fumando, pensando, pensando, pensando. Ouvia a voz de Luiza como se ela estivesse ali do meu lado. Sabia que era só a lembrança da voz dela, que nunca saiu mesmo aqui de dentro. Mas com os sentidos alterados, parecia que vinha de fora, parecia que ela estava sentada no sofá falando bobagens engraçadas. Ou na cozinha, contando uma história comprida da qual eu pegava uma palavra ou outra. Ou então lá embaixo, na chuva, gritando que tinha voltado, que não dava pra viver sem mim. Nessa eu quase acreditei.
Lá pelas tantas bateu a larica. Reuni forças para me arrastar até a cozinha. Peguei uma cerveja na geladeira e botei um saco de pipocas no microondas. Me diverti um pouco com o barulho da pipoca estourando e a visão do saco de papel inflando. Terminei minha cerveja, peguei outra, botei a pipoca numa tijela e fui para a sala. Há algo de profundamente melancólico em comer pipoca sozinho, sem ter sequer um filme para assistir. Pensei em ligar a TV, mas senti que estava prestes a começar a chorar de novo, então resolvi que era hora de dormir. Dormir, esquecer.

26.9.02

"Eu não sei dançar
tão devagar
pra te acompanhar."

(Eu Não Sei Dançar - Alvin L)

E a escritora acabou não sendo tão interessante como eu pensei que seria. Pior: Sequer sofria tanto quanto seu choro convulsivo fazia parecer.
Naquela noite saímos do bar já era alta madrugada e fomos tomar café numa padaria próxima. Fui preparado para ouivr empolgantes desventuras contadas por alguém com grande talento para isso. Decepção total: Nenhum amor impossível, nem romance com final trágico, nem mesmo uma dor adormecida que resolvera despertar de repente. Nada além de trivialidades: Contas vencidas, uma briga com a mãe -- morava com os pais --, um ex-namorado que não largava do pé. Tudo narrado em exaustivos detalhes com uma fala atropelada e aguda. Parecia ser uma dessas pessoas que vivem dizendo "Minha vida daria um livro"; aí você lê umas páginas e é um puta livro chato. Só que pessoas assim são geralmente inofensivas: Esquecem logo esse negócio de livro e vão tocando a vida. Ela não: Tinha resolvido que sua vida daria mesmo um livro, e gastava seu tempo passando mediocridades para o papel -- pobre papael, inocente do que nele se escreve.
Não me entendam mal, não quero com isso dizer que acho chatos escritores autobiográficos. Pelo contrário: Um cara cujos livros tenho prazer imenso em ler e reler é o Charles Bukowski, autobiográfico que só ele. E tem essa menina nova aí, Clarah Averbuck. Li o livro dela, gostei muito. Não sei quanto do que ali está é real e quanto é ficção, mas fica bem claro que tem muito de vida real, o que só dá sabor ao texto.
Minha escritora, porém, era chata até o fundo da alma. Repetitiva, prolixa, lamentosa, um horror. Mas o que esperar? Aquela vidinha sem graça não tinha como fornecer muito material, o desastre era previsível.
E ela achava genial tudo o que escrevia. Enchia cadernos e mais cadernos com sua caligrafia infantil, narrando banalidades como se fossem acontecimentos da máxima importância, sem nem mesmo um traço de humor, nem raiva, nem sarcasmo, nem nada. "Memórias de uma autista" seria um ótimo título, tão gritante era a ausência de qualquer carga emocional genuína em toda aquela prolífica coleção de bobagens.
Sei que passei quase cinco semanas sofrendo a tortura de ler aquelas páginas intermináveis; e todo dia ela me trazia mais. Sentia-me como Judas Iscariotes no último dos círculos do inferno, tendo seu fígado continuamente regenerado, apenas para ser devorado com gosto pelo Diabo mais uma vez, e outra, e outra, e assim por toda a eternidade.
Ao contrário de Judas e o capeta, no entanto, eu não tinha a eternidade à minha disposição. A conversa foi tensa, porém breve: O problema não é com você, é comigo, estou confuso, preciso pensar, não quero magoar você, o texto padrão. Ela até reagiu bem: Chorou um pouco no começo, mas logo se recompôs.E, mais importante, saiu sem quebrar nada. O rompimento de relacionamentos breves chega quase a ser agradável.
Só o que ainda me aflige às vezes é a possibilidade de ter me tornado eu também personagem daquelas histórias medonhas. Deus, é constrangedor!

17.9.02

"Usou com força uma caneta azul
e as frases de caneta
você não pode apagar.
As lágrimas que caem
deixam mais azuis as letras
e os olhos não conseguem enxergar"

(Frases Mais Azuis - Nando Reis)

O negócio é que eu preciso trabalhar, por mais que doa a ausência de Luiza. Com tantas mudanças, é reconfortante ver que o bar e o puteiro continuam os mesmos, a não ser por alguns poucos novos freqüentadores. No bar, por exemplo, tem aparecido essa garota de duas semanas pra cá. Magra, longos cabelos loiros, usa óculos. Belos peitinhos. Senta-se num canto, tira um caderno da bolsa e começa a escrever. O caderno está surrado, e ela usa aquelas canetas Faber Castell de ponta fina, que eu nem sabia que ainda existiam. Chega sempre cedo, por volta das sete, e sai sempre antes da meia-noite. Toma água com gás, às vezes uma caipirinha. Escreve o tempo todo, quase sem levantar a cabeça. Quando o faz é para chamar o garçom ou então quando se levanta para ir ao banheiro. Às vezes olha não para mim, mas através de mim, como se quisesse captar de onde vem a música. Nunca aplaude, nunca pede uma música, apenas se senta lá no canto dela e escreve. E eu, que tantas vezes me ressinto dos que não me aplaudem, acho que não me sentiria bem se ela o fizesse. A arte que ela produz é tão superior ao arremedo de arte que produzo em cima daquele palco minúsculo, e com tão poucas oportunidades de aplauso, que seria constrangedor vê-la reconhecendo como valioso o que faço.
No último sábado, porém, ela saiu da rotina. Chegou bem mais tarde, por volta das dez. Sentou-se no lugar de sempre, tirou o caderno da bolsa e começou a arrancar e rasgar várias páginas. Depois apoiou os cotovelos na mesa, enfiou os dedos entre os cabelos e ficou lá, cabisbaixa, sem escrever nada. Parecia estar lendo e relendo uma das páginas seguidamente, como se quisesse decorá-la.
Chamei o garçom
-- Afonso, leva uma caipirinha praquela moça ali, a escritora.
-- Mas ela não bebe, Luis!
-- Vai por mim, ela tá precisando.
Afonso esticou o beiço, que é o jeito dele dizer "Então tá, não digo nada" e foi providenciar a bebida para a moça. Quando finalmente ele trouxe, por coincidência eu estava tocando "Olhos nos olhos", do Chico: "Olhos nos olhos/Quero ver o que você diz/Quero ver como suporta/me ver tão feliz". Ela olhou para mim, ergueu o copo num brinde à distância e sorriu. E que sorriso, meu Deus! Tão triste, mas tão lindo... Compartilhamos a mesma dor, eu sei disso. E lá vou eu me perder de novo.
”Hoje eu ouço as canções que você fez pra mim
Não sei por que razão tudo mudou assim
Ficaram as canções, mas você não ficou”

(As Canções Que Você Fez Pra Mim - Erasmo e Roberto Carlos)

De violão novo e aluguel pago, livre daquela maluca, pude me dar ao luxo de voltar a cutucar minhas feridas em paz. Hoje mesmo estava me lembrando de quando Luiza veio morar aqui. Nossa tentativa de montar uma banda de rock não tinha dado certo, mas estávamos juntos e só isso importava.
Foram dias lindos, aqueles primeiros morando juntos. Conversas madrugada adentro, sexo intenso, geniais piadas internas. E ela fazia músicas para mim. Pegava o violão, fazia os poucos acordes que conhecia com a mesma batida de sempre e improvisava letras absurdas falando de mim, de nós, do apartamento, da geladeira quebrada, do vazamento no banheiro, do canário que um dia foi embora.
No nosso primeiro Dia dos Namorados, ela se deu ao trabalho de imprimir essas letras com as cifras e encadernar. Foi um presente muito legal. Estava agora remexendo umas gavetas e encontrei o caderno. Mentira, não estava remexendo nada: Sei muito bem onde guardo o caderno, e sempre volto a ele quando quero sofrer um pouco mais do que de costume.
Não, eu não vou transcrever as letras aqui. São ridículas em sua maior parte, e só fazem sentido para mim mesmo. Só posso dizer que são lindas e despertam em mim sensações bonitas e estranhas.
Ah, Luiza. Aposto que você não sabia o que estava causando quando foi embora. Porque você é uma imbecil, Luiza. Você é uma imbecil.
”Me larga, não enche,
você não entende nada
e eu não vou te fazer entender.”

(Não enche - Caetano Veloso)

Nem o diabo entende as mulheres. Semanas depois de tudo acabado — minha vida já voltando aos eixos, tocando no bar e no puteiro, a ausência de Luiza consumindo às vezes todo o oxigênio do apartamento — E a Marininha resolve me telefonar:
— Oi.
— Oi. Quem é?
— Sou eu. Marina.
— Ah. Oi, Marina.
— Estava pensando em você, resolvi ligar.
— Ah, que legal.
(Agora já ligou. Tchau.)
— Tá tudo bem com você?
— Tudo beleza. E com você?
— Ai, mais ou menos. Saudade. Você me odeia?
— Imagina!
(Mas se você me comprar um violão novo eu agradeço, tocar esse Giannini barato está acabando com a minha reputação)
— A gente precisa conversar...
— Já estamos conversando, Marina.
(BOA!)
— Hum... E aí, como você está? Continua tocando?
— Sim. Olha, não posso ficar muito tempo no telefone. Cê ligou pra que mesmo?
— Puxa, não precisa ser agressivo.
— Agressivo? Eu? Não me lembro de ter tentado amassar o pandeiro na sua cabeça, ao contrário do que você fez com meu violão.
Como eu já esperava, começou a chorar. Perfeito, ótimo! Podem me acusar de bruto insensível, mas o choro feminino não me comove. E menos ainda quando acompanhado de balbucios lamentosos.
— Eu... Eu... Eu sei que eu fiz besteira. É que... Que eu sou muito ciumenta, sabe? Mas... Mas...
— Marina, preciso ir. Liga quando você estiver mais calma.
— Você precisa me escutar! — Passando do choro ao ódio — Tivemos uma história juntos, você não pode ignorar isso, não pode, não pode, não pode! Você não tem dignidade?
— Eu tinha, mas agora que sou obrigado a trabalhar um violãozinho vagabundo acho que minha dignidade já era.
— Ah, pra você é só isso que importa, não é? Sua vida, sua música, seu violão...
— Basicamente sim.
— Quanto valia aquela porcaria?
— Aquela porcaria era um Fender Clássico! Investi mil reais nele!
(Mentira. Oitocentos reais.)
— Então tá. Amanhã mesmo vou depositar mil e duzentos reais na sua conta. Está feliz agora?
— Ôpa! Muito.
— Eu te odeio, sabia?
E desligou na minha cara. Tudo bem: Três dias depois tirei o extrato da conta e havia um depósito de mil e duzentos reais. Comprei um Yamaha por seiscentos e paguei o aluguel atrasado com o resto do dinheiro. Ah, as mulheres...
"Foi um rio que passou em minha vida
e meu coração se deixou levar"

(Foi um rio que passou em minha vida - Paulinho da Viola)

Pensei que nunca mais fosse voltar a escrever aqui. Minha vida tomou um rumo tão inesperado nos últimos meses que eu cheguei a acreditar que enfim sairia da monotonia. Ilusão, claro.
A mudança começou numa noite de sexta-feira. Um casal de amigos meus veio ao bar com um monte de gente. Esse casal é legal – ele gosta um pouco demais de João Gilberto, isso a gente perdoa -- , mas aquele povo era muito barulhento, então fiquei olhando feio. E vi aquela mão. Delicada, dedos finos, unhas não muito compridas pintadas com esmalte escuro. Segurava uma lata de Coca-Cola Light, de vez em quando circulava o indicador lentamente pela borda da lata, pegava uma gotinha e levava à boca. Comecei a imaginar aquela mão fazendo coisas bem interessantes, e acho que até errei uma ou duas passagens de acorde no Apesar de Você. Fiz um esforço para obrigar meus olhos a se desgrudarem da mão, eles foram subindo pelo braço, ombro, pescoço e rosto. Bonita, a dona da mão. Muito bonita. Inventei um intervalo, apesar de só ter tocado três músicas até então, e fui cumprimentar meus amigos. Eles me apresentaram um por um da mesa, deixando-a por último. Marina. Marininha.
-- Prazer em conhecê-la, Marina.
-- Prazer meu. Eles falam muito de você, sabe?
-- Ah, é? Falam bem, espero. Bom, deixa eu voltar pra lá.
Voltei ao palco e toquei “Marina”, do Dorival Caymmi olhando pra ela. Começamos a sair. Uma semana depois, fiquei sabendo que ela detestava “Marina”, porque todo mundo cantava pra ela. Rimos muito disso, um bom começo. E duas semanas depois pegamos nossas tralhas e nos mudamos para Camburi, litoral norte de São Paulo. É, foi tudo bem rápido.
Em Camburi eu finalmente achei que havia encontrado meu lugar no mundo. Morava com uma mulher linda, que gostava das mesmas coisas que eu, que ia tocar comigo nos bares e o sexo era ótimo. Perfeito. Fazíamos cover de Belle & Sebastian, eu no violão, ela com o pandeiro meia-lua. E soava bem, porque a voz dela era idêntica à da Isobel Campbell, e eu faço uma imitação passável do Stuart Murdoch. E assim fomos vivendo.
Até aquela segunda-feira em que cheguei tarde em casa e ela quebrou o violão tentando me acertar. Tinha enfiado na cabeça que eu a traía, e naquele dia a neurose foi demais para mim. Deixei um bilhete -- Talvez seja hora de você partir para uma carreira solo. Boa sorte. -- E voltei para São Paulo, para o meu velho apartamento, para o bar de sempre, para o bordel e minhas amigas putas
"Não conheço seu nome ou paradeiro
Adivinho seu rastro e cheiro
Vou armado de dentes e coragem
Vou morder sua carne selvagem"

(Caçada - Chico Buarque)

Se há alguém que lê isto aqui, peço desculpas pelo longo tempo sem escrever nada. Ando meio esquisito e tenho uma preguiça danada de escrever. Mas hoje é segunda-feira, dia de folga, e não tenho desculpas. E vou contar como foi que começou o negócio com todo com Luiza.
Eu e um amigo resolvemos montar uma banda. Sim, banda de rock, minha vida não é só MPB, oras. Ele era (ainda é, acho) baterista e foi quem deu a idéia, dizendo que tinha uma amiga baixista. E quando, na semana seguinte, ele me apresentou Luiza, fiquei besta na hora. Linda que só ela, alta, aquele sorriso. E, vou te contar, que peitos!
Acho que ela também gostou de mim. Talvez tivéssemos começado nossa história por ali mesmo, se não fosse a infeliz idéia do meu amigo de contratar um guitarrista solo. Eu discordei, mas Luiza achou a idéia ótima (nada para ela era apenas bom, vim a saber mais tarde: tudo era "ótimo"). Guitarrista solo, coisa besta... Pra que eu ia querer um sujeito de calça justa e botinas apoiando o pé na caixa de retorno, virando o braço da guitarra pra lá e pra cá, entortando o pescoço e fazendo caretas horrendas? Isso não é música, é circo! Enfim, dois contra um, lá fram eles atrás de um guitarrista solo. E encontraram o Paulo, um cara magro demais, com olheiras que iam até o queixo.
Pronta a banda, mais ou menos definido o repertório, precisávamos ensaiar. Luiza, a mais sonhadora, propôs que alugássemos uma casa e fôssemos todos morar juntos. Acho que ela queria fazer alguma coisa no estilo dos Novos Baianos, mais que um grupo musical, uma comunidade. De uma forma ou de outra, o aluguel de uma casa com dois quartos dividido por quatro pessoas saía quase de graça, e nos mudamos todos para essa casa na Mooca, com um quintal razoável nos fundos e uma sala gigantesca, onde ensaiávamos. A casa seria perfeita, não fosse por um detalhe: tinha só dois quartos, e Luiza exigia ficar com um só para ela, porque era "a menina do grupo". Então ela dormia toda folgada no quarto menor enquanto eu, meu amigo e o Paulo nos ajeitávemos do jeito que dava no maior.
Tenho desde criança a mania de dormir sempre colado à parede. Não sei o porquê disso, talvez tivesse medo de cair da cama. Sei que foi a única exigência que fiz: Ficar com a cama do canto. Os outros deram de ombros. Fiquei feliz com essa pequena conquista, mas durou pouco o meu sossego.
Depois de uma semana morando juntos, eu e Luiza já havíamos desenvolvido uma afinidade muito grande. Eu me divertia muito com ela, e ela comigo. E, para minha maior alegria, ela compartilhava comigo da antipatia por Paulo, o guitarrista desnutrido. Tudo corria bem, até que uma noite Paulo se levantou de sua cama e saiu do quarto fazendo um claro esforço para não fazer barulho. Eu estava acordado e fiquei sem entender por um momento. Momento que durou pouco, porque logo comecei a ouvir os gemidos abafados de Luiza no quarto ao lado. Ouvia mais do que queria, na verdade, por causa dessa estúpida mania de dormir grudado à parede.
Foram séculos de gemidos, e poucos minutos depois que ela calou a boca (e sossegou a periquita), Paulo se esgueirou de volta para sua cama. Filho da puta! Aquilo começou a se repetir quase toda noite, para meu desespero. E o mais esquisito era que os dois mal se falavam durante o dia. Aparentemente, a antipatia de Luiza por ele continuava intocada. Mas os gemidos noturnos demonstravam outra coisa, uma simpatia exagerada até.
A tortura foi se prolongando até o dia em que Paulo resolveu sair da banda. Não estava se dando bem, nós não sabíamos reconhecer seu talento, ele queria vôos mais altos, etc. etc. etc... No mesmo dia ele arrumou suas coisas, pegou sua guitarra (uma guitarra cheia de frescuras) e foi embora. Para alegria minha, que poderia dormir em paz depois de tanto tempo.
Mas acontece que naquela noite eu não conseguia dormir. Ficava me revirando na cama, e meu amigo chegou a acender a luz para ver o que estava acontecendo. "Não é nada", garanti, e tentei parar quieto. Mas havia alguma coisa me incomodando, então me levantei e fui para o quarto de Luiza.
Ela também estava acordada. Claro, acostumada a trepar todo dia antes de dormir, devia estar em crise de abstinência. Estranhou minha visita àquela hora, mas não muito, porque instantes depois estávamos ambos nus, ofegantes, nossos corpos vibrando de desejo e...
E foi um desastre. Fiquei nervoso, acabou sendo tudo muito rápido, e mereci o olhar de complacência que ganhei em troca. Veio um silêncio meio constrangedor, mas aí aconteceu um negócio que eu acho que foi a causa de tudo o que veio depois: Começamos a rir, a rir de tudo, da situação, da minha entrada repentina no quarto, da minha absoluta incompetência. Depois disso ficamos conversando até o amanhecer, uma conversa cheia de ritmo e pausas nos lugares certos, parecendo uma coreografia de palavras. Antes de me levantar para voltar ao meu quarto, perguntei a ela o que vira em Paulo. "Ah, imaginei aqueles dedos ágeis e aí...". Foi demais para mim: Voltei para a cama, e dessa vez posso garantir que fiz tudo direitinho, o roteiro completo, e ainda com alguns brindes.
Guitarrista solo, bah!
"O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou
Que ainda era moço pra sair no terraço e dançou"

(A Banda - Chico Buarque)

Vejam como são as coisas: Comecei a escrever isto aqui depois que Luiza me deixou, para poder ocupar minha mente. Queria contar minhas historinhas, só isso. Aí o desgraçado do japonês vai e mata a namorada. E depois eu começo a escrever justamente sobre quem? Sobre Luiza! Não é de se espantar, portanto, que meu projeto inicial, de escrever todos os dias, tenha sido frustrado. Mas tenho que continuar. Para minha sorte, ontem aconteceu um negócio estranho demais aqui no prédio, que passo a contar agora.
Bom, como já disse, acho que tenho idade para ser neto da maioria dos moradores. Mas não do Seu Afrânio: Acho que eu poderia passar tranqüilamente por bisneto dele. Seu Afrânio deve ter uns trezentos anos de idade. É muito sorridente e tem aqueles olhinhos brilhantes que só a absoluta senilidade proporciona. Sempre me cumprimenta efusivamente quando nos encontramos, tudo resultado de uma de suas loucuras passadas: Há cerca de três anos me ligou pedindo para ir ao seu apartamento. Estranhei, não freqüento meus vizinhos, pelas razõs óbvias e também pelo minha personalidade de bicho-do-mato. Mas seu Afrânio parecia excitado com alguma coisa, a curiosidade foi mais forte, e dez minutos depois eu estava sentado em seu sofá (tão velho quanto ele, parecia), esperando que ele me trouxesse "uma coisa" do quarto. Fiquei surpreso quando ele me trouxe um Tranquillo Giannini velho como o pecado e pediu que eu desse uma olhada. "Sabe como é, perdi a prática, não sei se afinei direito". Peguei o violão, e estava afinadíssimo. Disse isso a ele, que ficou muito satisfeito e começou a dedilhar. Porra, como vou descrever? Não sei direito o que era que ele estava tocando, não entendo de música clássica. Mas era lindo demais, suave demais. Acabei ficando a tarde inteira no apartamento dele, e aprendi muita coisa naquela tarde. No dia seguinte o encontrei no elevador e perguntei do violão. "Ah, meu filho, não toco há mais de trinta anos, nem me lembro!". Achei que estivesse brincando, mas não: Ele não se lembrava mesmo de ter tocado um dia antes. Desde então eu sempre pergunto do violão quando o encontro e ele só diz "Ah, quem sabe um dia eu volto a tocar". É caduquice, sim, mas acho que também tem um pouco de pudor nisso aí. Vai entender a cabeça de um velho maluco que fez o que fez ontem...
Deviam ser umas quatro da tarde. Fui acordado por uma algazarra lá embaixo. Abri a janela para ver o que era, e presenciei o melhor espetáculo gratuito da minha vida: Seu Afrânio andando pelo pátio com o ziper aberto, balanço o pinto e gritando "Já fui bom nisso! Já fui bom nisso!". As velhinhas, claro, horrorizadas, acabaram chamando a polícia, que chegou e acabou com a festa. Mas nem os policiais conseguiram ficar sérios diante da cena. Esse velho fraco aí dançou mesmo...
Ri muito na hora. Mas depois fiquei pensando: Seu Afrânio foi músico um dia. Deve ter conquistado mulheres em seu tempo fazendo serenatas.
Será que eu vou chegar nesse estado?
Ah, tomara!
"Escuta agora a canção que eu fiz pra te esquecer, Luiza"
(Luiza - Tom Jobim)

Antes de entrar no assunto, peço aos meus três leitores que me perdoem pelo abandono ao qual releguei este blog nos últimos dias. Tirei esse tempo todo de folga e fui para a praia com uns amigos. Estava precisando. Não que eu esteja em condições de abrir mão do dinheiro que receberia, mas vou me preocupar com isso depois.
Muito bem, muito bem. Luiza. Luiza foi embora há três semanas, e acho que sua partida causou, entre outras coisas, o nascimento deste blog. Foi o relacionamento mais longo dessa minha vida desregrada: oito meses, pouco mais, pouco menos, não me ligo muito em datas. Por que ela foi embora? Sei lá! Alguma coisa sobre eu gostar mais do violão do que dela. Tá bom, e qual a novidade?
Foi muito bom, muito mesmo, é por isso que estou esse bagaço agora. E foi rápido: nos conhecemos, duas semanas depois ela veio morar aqui, trazendo para este apartamento de solteirão um monte de cores novas, cheiros insuspeitados, sons estranhamente suaves. Preencheu todos os espaços, e agora que ela se foi isso aqui parece uma cidade fantasma. Nos primeiros dias eu evitava ficar aqui dentro, pensando que a presença de Luiza estava nas paredes, nos móveis, nos aparelhos. Mas demorou quase nada para eu perceber que é principalmente em mim que ela está, não tenho como fugir.
Para tornar tudo pior ainda, ela tinha que ter nome de música do Tom, só para me assombrar o tempo todo...
"Mandei fazer
de puro aço luminoso punhal
para matar o meu amor e matei
às cinco horas na avenida central"

(Panis et Circenses - Gilberto Gil e Caetano Veloso)

Não consigo esquecer esse troço, mas já tomei uma decisão: Não vou fazer nada. É, isso mesmo, não vou fazer nada. A menina já está morta, e dizer que eu vi o cara no bar horas depois do assassinato provavelmente não vai ajudar em nada. Tá, ele matou a moça e foi para o bar, e daí? Isso não dá nenhuma pista do paradeiro atual dele, que é o que interessa.
Mas tive pesadelos a noite toda sobre isso, sonhei com Luiza, sonhei com o japonês matando Luiza, sonhos horríveis, horríveis.
Quem é Luiza? Depois eu falo, agora estou cansado. Além de não ter dormido direito, ainda tive que ir até o Rio de Janeiro hoje resolver um negócio. Toda vez que eu vou ao Rio é assim, para voltar no mesmo dia. E o tempo sempre está nublado, o pessoal de lá diz que eu levo o mau tempo dentro da bolsa. Pura maledicência. Não entendo o Rio, nem os cariocas. Para vocês terem uma idéia, lá a gente tem que cumprimentar as mulheres com dois beijinhos no rosto. Pode??? Coisa de outro planeta mesmo...
Então por hoje é isso: Não vou fazer nada a respeito do caso do japonês e fica para amanhã falar sobre a Luiza.
"Eu te detesto e amo,
Morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo dessa vida"

(Canto Para a Minha Morte - Raul Seixas)

Puta que pariu! Eu vou contar e vocês por favor se sentem, porque tenho más notícias. Vocês leram os jornais recentemente?
Terça-feira é o dia que eu tiro para ler os jornais da semana. Vivo me esquecendo de cancelar a assinatura do jornal, então me obrigo a ler todas essas notícias velhas para fazer valer o dinheiro gasto.
Pois então, lendo o jornal de sexta-feira quase me dá um treco: estava lá a foto da loirinha, namorada do japonês, estampada na página policial. Eu acho que não a reconheceria sozinha, mas com o japonês ao lado tornava-se inconfundível. E lá vinha a notícia: "...Assassinada ontem por volta das oito da noite. O namorado, principal suspeito até agora, está foragido. Segundo a família, os dois haviam rompido o namoro menos de 24 horas antes".
Como é que pode??? Eu morrendo de pena do japonês, e é possível que ele tenha ido ao bar uma hora depois de matar a menina. O que eu faço agora? Procuro uma delegacia? Para falar o quê?
Desculpem, hoje não vai dar para escrever muito, nem entrar em detalhes da minha vida, como havia prometido. Já liguei para o puteiro para avisar que não vou tocar hoje. Preciso pensar no que fazer. Se é que há algo para ser feito. Merda!
"Vejo fulana a festejar na revista
Vejo beltrana a bordejar no pedaço
Divinais garotas
Belas donzelas no salão de beleza
Altas gazelas nos jardins do palácio
Eu sou mais as putas"

(Cambaio - Edu Lobo e Chico Buarque)

Segunda-feira, que beleza! Ah, não acha? Pois eu sim: é meu dia de folga. Domingo também, mas sempre tem algum bico para fazer aos domingos, e não estou em condições de respeitar dias santos. Mas a segunda-feira é totalmente dedicada ao ócio. É meio complicado, porque meus poucos amigos não se animam a fazer nada nesse dia da semana, então geralmente passo o dia todo em casa mesmo, ou andando pelo bairro e jogando conversa fora com os velhinhos (parece que todo mundo que passa dos 75 anos vem morar por aqui, é impressionante).
Pois então, domingos e segundas. E o que eu faço nos outros dias? De quinta a sábado toco naquele bar do qual já falei bastante. Às terças e quartas toco em outro lugar. Um lugar que... Como direi? Bom. Um rendez vous. É, isso aí, um lupanar. Um puteiro.
Não riam! Tá bom, vai. Riam. É meio esquisito mesmo. Músico de puteiro era tudo o que meus pais não queriam que eu fosse. Mas o mundo gira e gira, e quando a gente se dá conta já ficou tonto e está tocando guitarra num puteirinho dos mais fuleiros.
Que posso dizer em minha defesa? Primeiro o mais forte: Tom Jobim começou desse jeito, sabiam? Tocava em qualquer lugar, inclusive puteiros, para garantir o pagamento do aluguel. Mas o Tom sabia o que queria. Eu estou mais para aquele parceiro dele, o Newton Mendonça, e provavelmente morrerei cedo e anônimo, assim como ele. Acho que nem isso, porque ambos tinham em comum o talento extraordinário. Não tenho nada de extraordinário, a não ser, talvez, a absoluta falta de vergonha na cara.
Fora essa desculpinha de Tom Jobim -- que ninguém engole mesmo -- no bordel os recursos são bem melhores. Ou menos piores: toco minha guitarra ligada a uma mesa de dezesseis canais, o microfone é de qualidade razoável, tenho um baterista e um baixista que me acompanham (“me perseguem” seria mais apropriado) e, puxa!, até uma caixa de retorno. Não que o retorno seja uma boa coisa, é mais uma vingança do público: “"Ouve só o que a gente tem que agüentar”".
E tem mais uma vantagem: o público do puteiro é bem mais caloroso. Sou aplaudido sempre. As meninas pedem músicas, e adoram quando eu canto Geni e o Zepelim, do Chico Buarque.
Ah, as putas... Você, caro leitor, nunca pagou para fazer sexo? A não ser que você seja virgem, duvido muito. Toda mulher cobra por sexo, seja em dinheiro, seja em presentes, seja em poder. Sim, meu caro: poder sobre a sua vida. A única diferença entre as mulheres que você deve chamar de “decentes” ou qualquer outro adjetivo idiota desses, e as putas, é que estas chegaram a um tal patamar de pureza na vida que estipulam o preço antes de qualquer outra coisa. Jogo aberto, é disso que estou falando. E são grandes amigas, engraçadas, seguras de si, nada daquele nhenhenhém.
Pareço um tanto desiludido com o sexo oposto? É, acho que sou mesmo. E talvez eu conte a vocês a razão disso um dia. Ah, já contei até das minhas hemorróidas, não tenho mais pudores. Estejam por aqui amanhã, vamos ver se conseguimos ter uma conversa mais pessoal.
"O homem que diz 'sou', não é
porque quem é mesmo é 'não sou'"

(Canto de Ossanha - Baden Powell e Vinicius de Moraes)

Quase não vinha escrever hoje. Para ser sincero, só estou escrevendo mesmo porque tive que ligar o computador para procurar a cifra dessa música aí, Canto de Ossanha, para ensaiar bastante e dedicá-la ao Sabichão da próxima vez em que ele aparecer no bar.
Ontem ele apareceu, como aparece pelo menos duas vezes por mês, para meu desespero. É um carequinha meio gordo, mulato e petulante. Vem sempre com uma turma que não sei por que anda com ele: parecem pessoas legais. O Sabichão senta sempre de costas para o palco e lá pelas tantas, quando já está bêbado, grita:
-- Toca Chega de Saudade!
Sem olhar para o músico, claro. O pedido é a senha para ele começar seu discurso pró-João Gilberto: É um gênio, é um deus, é tudo na vida de um Sabichão. Aí ele engata um papo sobre a importância de Chega de Saudade para a música universal. Sim, porque acho que para ele João Gilberto é influência inconteste até para os músicos de Alfa-Centauro. Fala alto, o Sabichão, para ver se impressiona alguém com sua pseudo-erudição. Os amigos trocam olhares que são verdadeiros pedidos de socorro, mas ele não nota, ou finge que não.
E durante o tempo todo ele faz um negócio que me dá vontade de voar na garganta do desgraçado: Acompanha as músicas fazendo os acordes com a mão esquerda no braço direito. Acho que quer mostrar aos outros que é músico também. Às vezes tenho ganas de convidá-lo para subir ao palco só para desmascará-lo. Mas me contenho, pensando que ele bem pode começar um de seus discursos chatos sobre João Gilberto no microfone...
Eu não sei o que essa gente tanto vê em João Gilberto. Ora, qual é a vantagem de se cantar baixinho daquele jeito? Poder cantar quando está resfriado? Ora, eu já vim trabalhar resfriado algumas vezes, e nem por isso fiquei sussurrando ao microfone, muito menos reclamando do som. Se um dia eu fosse a um show dele (coisa que não pretendo fazer) e ele reclamasse do som, eu juro a vocês que gritaria "João, quer ouvir sua voz? Canta mais alto, porra!".
Ah, cara chato...
Pronto, achei a cifra do Canto de Ossanha. Não é tão difícil. Vai ser bom cantá-la para o Sabichão.
"Já gozei de boa vida
tinha até meu bangalô
cobertor, comida,
roupa lavada,
vida veio e me levou.

(O Velho Francisco - Chico Buarque)

Ontem tivemos no bar uma cena constrangedora.
Cheguei atrasado, e esqueci de fechar a caixa do violão e encostá-la à parede, como costumo fazer. Numa mesa próxima ao pequeno tablado -- o qual chamamos, meio com ternura, meio com ironia, de palco -- estavam sentados alguns homens de meia-idade, todos engravatados. O bar fica numa área de muitos escritórios, e é comum aparecerem estes grupos por lá. Chegam para o happy hour e sentem-se meio deslocados. Fazem muito barulho e são os que ignoram os músicos mais ostensivamente. Pois então, estavam lá os homens de negócio com sua bablbúrdia habitual e eu tocando Samurai, do Djavan. Ao terminar a música, o mais bêbado deles veio cambaleando e jogou uma nota de cinco reais na caixa do violão. Fiquei sem reação nenhuma: Não sabia se era alguma brincadeira besta ou se ele acreditava mesmo que era para isso que a caixa estava ali. O silêncio que se seguiu -- denso e incômodo - foi quebrado pela voz do Preto Velho:
-- Toca Rosa, filho.
O Preto Velho aparece todas as sextas-feiras. Vem sempre de terno branco e chapéu, pede uma cerveja que leva uma eternidade para terminar e pede sempre alguma música da velha guarda. Eu atendo na medida do possível, já que canções assim não são muito freqüentes em meu repertório, embora as aprecie. E quando eu toco a música pedida, ele acompanha apenas movendo os lábios, de olhos fechados. Uma ou duas vezes eu acho que o vi chorando.
Não sei nada sobre ele, e nem sei se quero saber. O olhar dele quando termino uma de suas músicas é melhor que qualquer aplauso. E agora devo mais essa a ele, me fez até esquecer do acinte que foi o dinheiro jogado a mim, como se eu fosse uma foca amestrada ou coisa assim.
Mas confesso que depois de tocar, parte de mim ficou esperando que o homem viesse me trazer outra nota. Não me censurem, são tempos difíceis.
"Foi nos bailes da vida
ou num bar em troca de pão
que muita gente boa pôs o pé na profissão
de tocar um instrumento e de cantar
não importando se quem pagou quis ouvir

(Nos Bailes da Vida - Milton Nascimento)

Não, o blog não é sobre Milton Nascimento. Acho que ainda estou sob efeito do impacto que me causou ver o coitado do japonês daquele jeito, e quando tento pensar em um trecho de música só me ocorre Milton.
Coloquei isso aí porque pretendo falar um pouco sobre mim. Não muito. Minha intenção é falar um pouco sobre as pessoas que vejo nos lugares em que me apresento e contar as histórias que invento sobre elas. Só que achei que o modo como comecei está errado. Vocês não me conhecem e eu já chego contando histórias, sem falar quase nada sobre mim.
Bom, que eu toco música brasileira em bares e que não sou gay vocês já sabem. Toco meu violão por aí há uns treze anos. Esse negócio do Milton de "muita gente boa pôs o pé na profissão" não se aplica a mim: Sou músico de boteco e sempre serei músico de boteco. Não tenho pretensões além disso. Sou um cantor mediano e violonista medíocre. Ouvido absoluto? Nem sei o que é isso. Teoria musical? Nunca vi. Muita gente que começou quando eu já estava na estrada hoje faz sucesso, e eu continuo na mesma. Não os invejo, sei que são muito melhores que eu.
"...não importando se quem pagou quis ouvir": os freqüentadores desse tipo de lugar quase nunca querem ouvir mesmo. Você toca e canta com afinco, às vezes é até uma música que foi ensaiada por semanas antes de ser apresentada, e quando termina não ouve nada além do tilintar dos copos e dos gritos de "Garçom!". Não que eu espere outra coisa, meus tempos de terminar uma música e esperar ouvir aplausos já passaram. Começo logo outra e continuo criando as histórias na minha cabeça, como se não estivesse ali. Vez por outra alguém puxa um aplauso e outros, relutantes, acompanham. Não sei se gosto muito disso, ser aplaudido por piedade, mas também não ligo.
Às vezes surge um cara novo. Ele senta nesse banquinho duro e desconfortável (dia desses eu descrevo com detalhes como foi tocar depois da operação das hemorróidas. Não é nada engraçado). Mas esse cara novo chega, pega o violão, ajusta o microfone, faz aquela ceninha desnecessária de testar o som e começa sua apresentação. Não sei o que acontece. As pessoas começam a prestar atenção. Aplaudem espontaneamente no final da primeira música. Lamentam-se -- "Ahh..." -- quando ele diz que vai fazer uma pausa. Depois de um tempo, esse cara já tem uma pequena comitiva de admiradores, que vão aonde quer que ele vá se apresentar. Sei lá o que é isso. É talento, claro. É técnica, óbvio. Mas já vi gente tocando uma música cheia de acordes dissonantes e passagens complexas e não receber nem um olhar mais atencioso. Aí chega um cara desses, toca a mesma música com sol-dó-ré-mi menor e é ovacionado. Existe algo mais que eu não sei explicar, algum tipo de energia que conquista e seduz as pessoas.
Não sei como funciona, mas de uma coisa já estou bem certo: Eu não tenho isso. É bom conhecer os próprios limites.
Bom, acho que vou parar por aqui. Vou tocar essa música, Nos Bailes da Vida, hoje à noite e preciso treinar um pouco. Sei que é em ré e na parte do “... em troca de pão” vem um ré com sétima maior. Mas tem um acorde de passagem aí no meio que eu não consigo achar. Aliás, se alguém puder ajudar, agradeço. Como disse, sou um violonista medíocre.
"Quando você foi embora
Fez-se noite em meu viver"

(Travessia - Milton Nascimento)


Acho que desde que eu comecei a tocar aqui que eu o vejo. Nunca nos falamos, embora de vez em quando ele pedisse uma ou outra música, quase sempre do Milton Nascimento.
No princípio ele vinha com os amigos. Eram três ou quatro na mesma faixa etária, vestidos de forma parecida. Vinham, sentavam onde dava, pediam cerveja e ficavam conversando. Me ignoravam a maior parte do tempo, como, aliás, fazem quase todos os freqüentadores.
De vez em quando aparecia com uma garota. Vinha duas, três vezes com a mesma menina, depois voltava a aparecer só com os amigos. Foi por isso que eu estranhei quando ele apareceu pela quinta vez seguida com a loirinha. Não só eu: O garçom veio comentar comigo, "Olha lá, acho que o japonês tá namorando. Se deu bem".
E de fato, o negócio foi sério: Durante os quatro anos seguintes ele sempre veio com ela. Ficavam até dois meses sem aparecer, acho que ela não gostava muito de MPB e essa coisa toda. Mas parecia que ele tinha assumido a missão de "convertê-la" e sempre acabavam voltando ao bar.
Não, não é nada disso que vocês estão pensando. Não sou homossexual, nada disso. Reparava nele tanto quanto reparo nos outros freqüentadores assíduos; fico inventando histórias sobre eles na minha cabeça enquanto toco. Apenas isso.
O negócio é que hoje deu pena de ver o garoto. Apareceu sozinho acho que pela primeira vez. Estava com olheiras e parecia mais magro, mas deve ter sido só impressão causada pelo abatimento geral. Bebeu muito mais do que era seu costume e sai trançando as pernas. Não sem antes me pedir para tocar Travessia, no que eu fiz questão de atendê-lo prontamente.
Então é isso que as mulheres fazem conosco? Mudam todos os parâmetros pelos quais enxergamos a vida e depois saem, nos deixando perdidos? Preenchem todos os espaços da nossa vida só para depois nos deixarem vazios? Revoltante!
Como? Eu? Não, eu não sofro por essas coisas. Não tenho tempo: Preciso ensaiar.
Aliás, eu devia estar ensaiando agora, e estou aqui contando história. Assim eu acabo perdendo o jeito e o emprego. Vou deixar por aqui mesmo, depois eu retomo. Voltem sempre.